Abertura do I Fórum de Saúde do Surdo Amazônida discute acessibilidade no sistema de saúde pública

Profa. Ana Francisca Silva, idealizadora e coordenadora do evento.Profa. Ana Francisca Silva, idealizadora e coordenadora do evento.Imagine a cena: você passando mal, com muita dor. Vai a um hospital para ser socorrido, mas lá descobre que, por qualquer razão, não consegue falar. Você tenta, entre dores, gesticular para os atendentes, enfermeiros e até médicos na intenção de comunicar o que sente. Eles entreolham-se sem saber o que fazer, quase num jogo de adivinhação. - São os rins, não é? Diz um. - Não, é o pâncreas, com certeza! Declara outro. E assim segue até que alguém finalmente acerte a “mímica” ou você desmaie de dor.

Imaginou? Difícil, não? Pois, esta é uma história real contada por muitos dos participantes do I Fórum de Saúde do Surdo Amazônida, evento promovido pela parceria entre Faculdade de Medicina e curso de Letras Libras da Ufam, que teve início na noite de quinta-feira, 23, e segue durante toda a sexta-feira, 24, chamando a atenção para a importância de inserir a Libras (Língua Brasileira de Sinais) em todas as esferas da sociedade, mas primordialmente na área da saúde.

A solenidade de abertura foi realizada no Auditório Samaúma, da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA), e contou com a presença de representantes de órgãos e entidades ligados à saúde pública e à comunidade surda do Amazonas, como a Secretaria de Estado da Saúde (Susam), a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Seped), a Associação dos Surdosde Manaus (Asman), o Centro de Atendimento ao Surdo (CAS) e a Associação dos Surdos de Parintins (Aspin).

Representando do reitor da Ufam, professor Sylvio Puga, o tradutor intérprete de Libras da Universidade e também responsável pela realização do I Fórum, Joabe Barbosa, destacou o papel pioneiro da Universidade em promover o evento e a importância dele para a comunidade surda. “A Ufam é pioneira em fomentar essa discussão aqui na Amazônia. A palavra de hoje é gratidão a todos vocês. Desejo que tenham um momento proveitoso e tirem o máximo de proveito de todas as informações que serão passadas aqui”, discursou Barbosa.

Público lota Auditório da FCA para debater acessibilidade na saúde pública.Público lota Auditório da FCA para debater acessibilidade na saúde pública.O presidente da Associação dos Surdos de Manaus (Asman), pedagogo Marcelo Pereira, declarou que ele mesmo, inúmeras vezes, passou por situações complicadas quando em um consultório médico devido à dificuldade de comunicar o que estava sentindo. Pereira apelou aos profissionais da saúde para que aprendam Libras e melhorem a grafia para facilitar o atendimento e para que o tratamento seja feito corretamente, salvaguardando os pacientes de equívocos por falta de compreensão da escrita de nomes de remédios, por exemplo. “Faço um apelo a esses profissionais. Porque quando eles não nos entendem, pensem na nossa frustração”, expôs.

Falando em nome da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), o gerente da Rede de Cuidado da Pessoa com Deficiência, Cloaldo Almeida, reconheceu que os órgãos públicos estão em dívida com a comunidade surda e parabenizou os presentes pela realização do evento afirmando que ocasiões como esta levam o poder público a responder por meio da criação de políticas públicas direcionadas. “Fica muito claro que precisamos avançar e muito na forma de atendimento a essa população”, disse.

Já o consultor técnico da Secretaria dos Direitos das Pessoas com Deficiências (Seped), Mario Celio Castro Alves, admitiu a necessidade de interpretes de Libras atuarem dentro dos hospitais e demais unidades de saúde do Estado. “O Governo está preocupado com a pessoa com deficiência. Sabemos que vocês precisam estar em todos os setores da vida em sociedade”, declarou.

Coordenadora do evento, a professora da Faculdade de Medicina, Ana Francisca da Silva falou da grande satisfação em finalmente ver acontecer o evento dedicado à saúde dos surdos do Estado, primeiro a ser promovido na região Norte e mais uma conquista da população surda local. Fisioterapeuta de formação, a docente conta que presenciou a dificuldade pela qual passa essa parcela da sociedade para acessar serviços de saúde e os riscos que correm pela falta de comunicação precisa em uma área tão sensível e necessária para todos.

“A gente precisa pensar estratégias de como promover saúde à pessoa surda, dando a ela o direito de uso da língua materna dela que é a Libras. Precisamos oportunizar esse debate para que sejam criados espaços para se pense em futuros direcionamentos. A Ufam como instituição formadora que promove, além das pesquisas, a integração da comunidade com a pesquisa e é, por isso, que estamos aqui, para promover esse diálogo, dar lugar, dar voz e fala para quem realmente sofre, precisa ter essa fala, que é o surdo. O nosso papel hoje é fazer essa interlocução entre a ciência e a comunidade”, afirmou Ana Francisca.

Lideranças públicas e de entidades representativas participam da abertura do I Fórum.Lideranças públicas e de entidades representativas participam da abertura do I Fórum.De acordo com professora, a disciplina de Libras é optativa para todos os cursos de graduação. O aluno de medicina, por exemplo, pode cursar Libras, mas a carga horária é pequena, apenas de 60h, o que não garante o domínio da língua. “É um pouco inviável para aprender tudo que é necessário. É preciso ter contato com a comunidade surda mesmo, que é o que estamos fazendo hoje com esse evento”, disse. “Espero que a gente consiga atingir o objetivo que é criar esse documento para nortear a promoção da saúde do surdo na Amazônia. Desejamos que as instituições parceiras consigam enxergar a necessidade de haver a acessibilidade linguística para o surdo na saúde”, revelou a coordenadora.

Palestra de Abertura

Proferida pelo professor do curso de Letras Libras, Hamilton Rodrigues, a palestra “O Surdo Amazônida” mostrou por meio de testemunhos do próprio docente, que é surdo, e de membros da plateia a realidade vivenciada pelas pessoas surdas todas as vezes que procuram atendimento médico. “Que este seja um momento de atenção para que o governo veja que a comunidade surda, as associações e as pessoas que estão se empenhando com projetos, com artigos, com situações que tragam visibilidade para que a saúde do surdo ganhe atenção, que esses projetos sejam mostrados, aprovados e legalizados”, enfatizou o professor.

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