Abertura do I Fórum de Saúde do Surdo Amazônida discute acessibilidade no sistema de saúde pública
Imagine a cena: você passando mal, com muita dor. Vai a um hospital para ser socorrido, mas lá descobre que, por qualquer razão, não consegue falar. Você tenta, entre dores, gesticular para os atendentes, enfermeiros e até médicos na intenção de comunicar o que sente. Eles entreolham-se sem saber o que fazer, quase num jogo de adivinhação. - São os rins, não é? Diz um. - Não, é o pâncreas, com certeza! Declara outro. E assim segue até que alguém finalmente acerte a “mímica” ou você desmaie de dor.
Imaginou? Difícil, não? Pois, esta é uma história real contada por muitos dos participantes do I Fórum de Saúde do Surdo Amazônida, evento promovido pela parceria entre Faculdade de Medicina e curso de Letras Libras da Ufam, que teve início na noite de quinta-feira, 23, e segue durante toda a sexta-feira, 24, chamando a atenção para a importância de inserir a Libras (Língua Brasileira de Sinais) em todas as esferas da sociedade, mas primordialmente na área da saúde.
A solenidade de abertura foi realizada no Auditório Samaúma, da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA), e contou com a presença de representantes de órgãos e entidades ligados à saúde pública e à comunidade surda do Amazonas, como a Secretaria de Estado da Saúde (Susam), a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Seped), a Associação dos Surdosde Manaus (Asman), o Centro de Atendimento ao Surdo (CAS) e a Associação dos Surdos de Parintins (Aspin).
Representando do reitor da Ufam, professor Sylvio Puga, o tradutor intérprete de Libras da Universidade e também responsável pela realização do I Fórum, Joabe Barbosa, destacou o papel pioneiro da Universidade em promover o evento e a importância dele para a comunidade surda. “A Ufam é pioneira em fomentar essa discussão aqui na Amazônia. A palavra de hoje é gratidão a todos vocês. Desejo que tenham um momento proveitoso e tirem o máximo de proveito de todas as informações que serão passadas aqui”, discursou Barbosa.
O presidente da Associação dos Surdos de Manaus (Asman), pedagogo Marcelo Pereira, declarou que ele mesmo, inúmeras vezes, passou por situações complicadas quando em um consultório médico devido à dificuldade de comunicar o que estava sentindo. Pereira apelou aos profissionais da saúde para que aprendam Libras e melhorem a grafia para facilitar o atendimento e para que o tratamento seja feito corretamente, salvaguardando os pacientes de equívocos por falta de compreensão da escrita de nomes de remédios, por exemplo. “Faço um apelo a esses profissionais. Porque quando eles não nos entendem, pensem na nossa frustração”, expôs.
Falando em nome da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), o gerente da Rede de Cuidado da Pessoa com Deficiência, Cloaldo Almeida, reconheceu que os órgãos públicos estão em dívida com a comunidade surda e parabenizou os presentes pela realização do evento afirmando que ocasiões como esta levam o poder público a responder por meio da criação de políticas públicas direcionadas. “Fica muito claro que precisamos avançar e muito na forma de atendimento a essa população”, disse.
Já o consultor técnico da Secretaria dos Direitos das Pessoas com Deficiências (Seped), Mario Celio Castro Alves, admitiu a necessidade de interpretes de Libras atuarem dentro dos hospitais e demais unidades de saúde do Estado. “O Governo está preocupado com a pessoa com deficiência. Sabemos que vocês precisam estar em todos os setores da vida em sociedade”, declarou.
Coordenadora do evento, a professora da Faculdade de Medicina, Ana Francisca da Silva falou da grande satisfação em finalmente ver acontecer o evento dedicado à saúde dos surdos do Estado, primeiro a ser promovido na região Norte e mais uma conquista da população surda local. Fisioterapeuta de formação, a docente conta que presenciou a dificuldade pela qual passa essa parcela da sociedade para acessar serviços de saúde e os riscos que correm pela falta de comunicação precisa em uma área tão sensível e necessária para todos.
“A gente precisa pensar estratégias de como promover saúde à pessoa surda, dando a ela o direito de uso da língua materna dela que é a Libras. Precisamos oportunizar esse debate para que sejam criados espaços para se pense em futuros direcionamentos. A Ufam como instituição formadora que promove, além das pesquisas, a integração da comunidade com a pesquisa e é, por isso, que estamos aqui, para promover esse diálogo, dar lugar, dar voz e fala para quem realmente sofre, precisa ter essa fala, que é o surdo. O nosso papel hoje é fazer essa interlocução entre a ciência e a comunidade”, afirmou Ana Francisca.
De acordo com professora, a disciplina de Libras é optativa para todos os cursos de graduação. O aluno de medicina, por exemplo, pode cursar Libras, mas a carga horária é pequena, apenas de 60h, o que não garante o domínio da língua. “É um pouco inviável para aprender tudo que é necessário. É preciso ter contato com a comunidade surda mesmo, que é o que estamos fazendo hoje com esse evento”, disse. “Espero que a gente consiga atingir o objetivo que é criar esse documento para nortear a promoção da saúde do surdo na Amazônia. Desejamos que as instituições parceiras consigam enxergar a necessidade de haver a acessibilidade linguística para o surdo na saúde”, revelou a coordenadora.
Palestra de Abertura
Proferida pelo professor do curso de Letras Libras, Hamilton Rodrigues, a palestra “O Surdo Amazônida” mostrou por meio de testemunhos do próprio docente, que é surdo, e de membros da plateia a realidade vivenciada pelas pessoas surdas todas as vezes que procuram atendimento médico. “Que este seja um momento de atenção para que o governo veja que a comunidade surda, as associações e as pessoas que estão se empenhando com projetos, com artigos, com situações que tragam visibilidade para que a saúde do surdo ganhe atenção, que esses projetos sejam mostrados, aprovados e legalizados”, enfatizou o professor.