Ufam outorga grau às primeiras turmas de Licenciatura Indígena em São Gabriel da Cachoeira

Tão especial quanto especiais eram os formandos. Assim foi a cerimônia de colação de grau dos estudantes indígenas da Ufam, realizada em uma maloca no município de São Gabriel da Cachoeira, a 852 km de Manaus, na noite do último dia 30. Foi a primeira vez que a Universidade outorgou grau a turmas concluintes do curso de LicenciaturaIndígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável. 72 estudantes comemoraram a conquista do diploma de nível superior.

Habitantes da região mais plurilíngue do continente americano, os estudantes indígenas oriundos de 22 etnias dentre elas Baré, Kuripako e Tariano, foram organizados para fins didáticos de acordo com a territorialidade linguística em três turmas Nheengatu, Baniwa e Tukano. Dessas turmas saíram os 72 formados, sendo 21 da turma Baniwa, 30 de língua Tukano e outros 21, de fala Nheengatu.

De acordo com a chefe da equipe do cerimonial da reitoria da Ufam, Deritelma Oliveira, a cerimônia de outorga seguiu os protocolos da Universidade, porém com as especificidades dos formandos que, como por exemplo, prestaram juramento em cada língua das turmas (Baniwa, Nheengatu e Tukano) e, por fim, em Português. “Desde o momento do ensaio, percebemos o respeito que eles demonstram pelos ritos e solenidades. Foi emocionante, pois mesmo sem falar direito o Português, eles entenderam o protocolo e seguiram conforme as orientações. A presença foi maciça, o que demonstrou a importância para eles do evento”, informa Deritelma. Mesmo com toda experiência na área, Deri, como é chamada, não pôde deixar de se emocionar com a colação de grau em São Gabriel. “Desde o local inusitado, que era a maloca, a qual foi lindamente decorada pelos formandos e professores, com artesanatos das próprias etnias, a outorga foi linda e emocionante. Enfim, não é tarefa fácil descrever um momento especial, por mais douto que sejamos com as palavras. Simplesmente sente-se”, disse a profissional.

Para a coordenadora do curso de licenciatura indígena do alto Rio Negro, professora Ivani Faria, presenciar a solenidade de outorga de grau desses estudantes representa contribuir para a realização de sonho dos povos que ali habitam. “Por meio de uma demandarespondida pela UFAM na criação de um curso que respeita a identidade territorial e cultural, estamos trabalhando para a construção do ensino superior indígena democrático e de uma Universidade Indígena autônoma em um futuro próximo”, revela professora Ivani.

Professor Nonato, vice-coordenador do curso, expressa sua satisfação por testemunhar a finalização de uma trajetória. “Essa colação de grau é o reflexo de uma caminhada. Ela é o coroamento de uma prática com êxito”, afirma o professor ao destacar dois aspectos positivos da graduação em São Gabriel da Cachoeira: permitir que pessoas acima de 30 anos tivessem acesso ao ensino superior como no caso da turma Tukano, cuja média de idade era 36 anos, e fortalecer o uso das línguas indígenas, citando especificamente a Nheengatu.

Ainda conforme o vice-coordenador, por meio da licenciatura do alto rio Negro, a Ufam conseguiu avançar no que diz respeito à formação verdadeiramente indígena. “Agora nós podemos dizer que demos o primeiro passo efetivo para adentrar a educação indígena. Ao longo do tempo nós só fazíamos educação indigenista. Educação de não índios para índios. Com esse curso, nós começamos também a dialogar e a interagir com a educação indígena para compreender as nuances e a formação específica desses povos”, salientou.

Alfredo Feliciano M. Brazão, um dos licenciados, tem 32 anos e pertence à etnia Baniwa. Para ele, o curso de licenciatura indígena oferecido pela Universidade é uma conquista das comunidades que reivindicaram o acesso à educação superior e, por isso mesmo tem grande significado. “É um curso muito importante, pois é resultado de luta dos povos indígenas do Alto Rio Negro. É uma grande honra chegar ao final dele. Nunca pensei em desistir, pois sempre colocava minha visão no futuro e, também, por que desistiria do estudo se estava gostando?”, declara Alfredo.

“Com meu diploma na mão, me senti mais tranquilo e seguro no emprego na comunidade. Mas em nenhum momento pensei que isso era suficiente para mim. O meu desejo agora é continuar meu estudo”, diz o professor da comunidade onde mora.

Mesa de Honra

Compuseram a mesa de honra a reitora da Ufam, professora Márcia Perales, a qual foi patronesse e homenageada com o nome da turma, o prefeito de São Gabriel da Cachoeira em exercício Domingos Sávio Camico Agudelos, a presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Almerinda Ramos de Lima, os coordenadores do curso de Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável, professores Ivani Farias e Raimundo Nonato Silva, além de demais membros da Academia e autoridades locais.

O Curso de Licenciatura Indígena do Alto Rio Negro  

A Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável foi implantada em 2010 no campus da Universidade Federal do Amazonas em São Gabriel da Cachoeira, na Terra Indígena Alto Rio Negro. Será ofertada pelo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) até a construção do Centro Universitário Indígena do Rio Negro.

O curso é regular, com ingresso bianual. São 120 vagas, oferecidas exclusivamente para indígenas, sendo 40 vagas por turma: Nheengatu, para os falantes da língua Nheengatu, cujas aulas são realizadas na comunidade indígena de Cucui, no Rio Negro; turma Tukano, para os falantes da família linguística Tukano Oriental. As aulas dessa turma ocorrem na comunidade de Taracuá, no rio Uaupés e turma Baniwa, para indígenas de línguas Baniwa e Kuripako, oferecida na comunidade de Tunui, no rio Içana.

Para a coordenadora do curso de licenciatura indígena da Ufam, professora Ivani Farias, o diferencial da graduação de São Gabriel está na forma como ela foi concebida. Segundo a professora, as 23 comunidades indígenas da região foram amplamente consultadas acerca da formação a ser oferecida pelo curso. “Respeitando a diversidade cultural e linguística e tendo a base do conhecimento produzida por meio do ensino via pesquisa, na qual a estrutura curricular é flexível, orientada pelas pesquisas desenvolvidas pelos discentes sem uma estrutura curricular pré-elaborada contribuindo não somente para a formação pedagógica dos alunos, permitindo também a partir da gestão do conhecimento e de tecnologias sociais tradicionais indígenas e não indígenas, intercultural, uma discussão e gestão territorial de suas comunidades e das terras indígenas do Alto Rio Negro”, informou a professora.

Lançamento dos Cadernos de Pesquisa

Um dos resultados do curso de licenciatura indígena foi o lançamento dos Cadernos de Pesquisa produzidos pelos próprios estudantes e escritos na língua de cada turma. A finalidade desse trabalho é, além de reunir a produção científica dos acadêmicos, propiciar a socialização dos conhecimentos ali registrados, os quais aliam as potencialidades dos conhecimentos indígenas ao rigor científico da academia, contribuindo para o fortalecimento dos povos indígenas daquela região.

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