Ufam publica coleção ‘Reflexividades Indígenas’ escrita por alunos Yepamahsã (Tukano)
Dagoberto Lima Azevedo, Gabriel Sodré Maia, João Paulo Lima Barreto e João Rivelino Rezende concluíram o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/Ufam), ligados ao Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI), e são autores da coleção ‘Reflexividades Indígenas’. Os pesquisadores foram responsáveis por contribuírem com a construção de uma epistemologia Yepamahsã (Tukano) ao sistematizarem conceitos, concepções e práticas desse povo que reside no Alto do Rio Negro.
As quatro publicações são frutos das respectivas dissertações de mestrado e representam um movimento de pesquisa inédito em que os ‘observados’ passam a ser ‘observadores’ e sujeitos da própria pesquisa. Os livros acessam novas chaves antropológicas e experimentam uma lógica que traduz as relações estabelecidas entre pessoas de mundos diversos. Duas das publicações foram escritas, simultaneamente, em português e na língua Tukano.
A epistemologia Yepamahsã é articulada por meio de um tripé que leva em conta o conjunto das formulações discursivas e práticas de grupo, buscando explicá-las. A primeira delas, denominada Kihti-ukuse trata do conjunto das narrativas míticas; a segunda, o Bahsesé diz respeito ao poder dos conhecedores em estabelecer políticas cósmicas e, por fim, o Bahsamori é voltado para as cerimônias e os rituais associados a um ciclo anual, organizado a partir da dinâmica das constelações.
De acordo com o coordenador do NEAI, professor Gilton Mendes dos Santos, a coleção é fruto de um exercício em que os indígenas expressam o seu potencial. “A produção científica feita pelos nossos alunos indígenas tem um impacto intelectual significativo no campo da Antropologia, uma vez que eles articulam suas próprias categorias e conceitos para expressarem seu posicionamento. Além, claro, de ser resultado do esforço de sistematizar o conhecimento indígena a partir dessa perspectiva”, enfatiza.
Como complemento à coleção ‘Reflexividades Indígenas’, o NEAI publicou também o livro ‘Omerõ: Construção e circulação de conhecimentos Yepamahsã’, escrito pelos autores Gilton Mendes dos Santos, Carlos Machado Dias Jr., Ernesto Belo, Lorena França, Dagoberto Lima Azevedo, Gabriel Sodré Maia, João Paulo Lima Barreto e João Rivelino Rezende. O título é uma síntese do conhecimento Tukano, a partir do tripé conceitual Kihti – Bahsesé – Bahsamori, e resultado do empreendimento coletivo do grupo.
Coleção ‘Reflexividades Indígenas’
A publicação ‘Agenciamento do mundo pelos Kumuã Ye’pamahsã: O conjunto de bahseses na organização do espaço Di’ta Nuhku‘ de Dagoberto Lima Azevedo trata da concepção do espaço terra-floresta. O autor volta-se para a forma singular de selecionar plantas, animais, seres visíveis e invisíveis, tipos de solo, etc. Dagoberto Lima é Tukano do sib Nãhuriporã, nascido e criado na comunidade Mahawi’i Tuhkuro (Pirarara – Poço), Rio Tiquié, terra indígena do Alto do Rio Negro.
O livro ‘Formação e transformação de coletivos indígenas do noroeste amazônico: do mito à sociologia das comunidades’, de autoria de João Rivelino Rezende Barreto, aborda o sistema hierárquico na organização social do alto do Rio Negro, com foco nos Tukano orientais e a partir do que informam os Yupuri Bubera Porá. O autor é nascido em São Domingos Sávio (AM) e trabalha, atualmente, como professor no curso de Pedagogia na Faculdade Salesiana Dom Bosco.
Já o título “Bahsamori: o tempo, as estações e as etiquetas sociais dos Ye’pamahsã”, escrito por Gabriel Sodré Maia, diz respeito ao conjunto dos grandes rituais e as cerimônias associados a um calendário anual, baseada dinâmica das constelações. Gabriel Sodré pertence ao grupo Yeparã Oyéporã dos líderes Yepamahsã (Tukano).
Por fim, João Paulo Lima Barreto é autor do livro Waimahsã: peixes e humanos que propõe uma reflexão sobre o conjunto de narrativas míticas que incluem os feitos e as tramas vivenciadas pelos responsáveis pela organização do mundo, dos seres e das coisas. João Paulo Lima é nascido na aldeia São Domingos, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), Idealizador do Centro de Medicina Indígena e aluno de doutorado do PPGAS/Ufam.
Projeto Rios e Redes na Amazônia
A coleção ‘Reflexividades Indígenas’ faz parte do ‘Projeto Rios e Redes na Amazônia Indígena’, vinculado ao NEAI, desenvolvido entre 2013 e 2016, resultou na publicação de sete livros com a temática indígena. Essa é uma parceria entre a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e a empresa Natura Cosméticos.
O projeto trabalhou em duas frentes de pesquisa. A primeira, no Alto do Rio Negro, a partir da presença dos estudantes indígenas Tukano no curso de Antropologia. Como resultado, a produção da coleção ‘Reflexividades Indígenas’ e o livro ‘Omerõ: Construção e circulação de conhecimentos Yepamahsã’; A outra, no Médio Purus, com foco em pesquisas etnográficas e mais duas publicações. Uma chamada ‘Música na Floresta’, organizada por Mário Rique Fernandes e outra intitulada ‘Os Grafismos Paumari’, organizada pela pesquisadora Angélica Maia Vieira.
Segundo o diretor da Editora da Ufam (Edua), professor Sérgio Freire, as sete publicações registram o trabalho intelectual dos pesquisadores indígenas, além de pesquisas produzidas sobre as populações indígenas. “A Ufam tem uma vocação natural para acolher e fomentar esse tipo de pesquisa, dada a centralidade geográfica de nossa Universidade diante da diversidade étnica da região”, destaca. Os livros estão disponíveis para venda na Livraria Universitária (LUA).
O diretor lembrou, ainda, que além dessas obras, mais dez livros deverão ser lançados até o final de julho no selo EDUA Digital 110 anos, fechando a programação da editora para o primeiro semestre.
NEAI
O Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI) é um grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) e ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O NEAI congrega pesquisadores, professores e estudantes de diferentes áreas do conhecimento, que se dedicam ao estudo e pesquisas sobre temas e problemas relacionados aos povos e comunidades tradicionais.
Os resultados das atividades objetivam contribuir para o fortalecimento da pesquisa em Etnologia na Ufam e subsidiar atividades de ensino, extensão e intervenção. O NEAI desenvolve suas ações através de pesquisas coletivas e individuais, projetos de extensão, encontros, palestras, seminários, seções de estudo e cursos de curta duração. De modo especial, o NEAI conta com a participação de estudantes indígenas interessados na reflexividade sobre seus modos de vida e de suas cosmopolíticas, contribuindo para a sistematização desses conhecimentos e a elaboração de teorias nativas expressas na publicação de livros, textos monográficos e artigos científicos.