Descoberta de mutações genéticas em tambaqui garante Prêmio Capes de Tese a docente da Ufam
Alterações no genoma da espécie nativa resultam em peixes sem a espinha intermuscular "Y" ou adaptados a ambientes pobres em oxigênio
Por Cristiane Souza
“É um trabalho multidisciplinar de grandes parcerias que coloca a nossa Ufam em destaque”, orgulha-se o docente do Instituto de Natureza e Cultura da Universidade Federal do Amazonas (INC/Ufam), em Benjamin Constant, professor Ribamar Nunes. O ‘Prêmio Capes de Tese 2018’ é o reconhecimento da relevância científica, econômica, ecológica e social da investigação, que associa mutações genéticas do tambaqui à existência de populações sem espinha ou à adaptação do peixe ao aumento da temperatura no planeta, que pode deixar as águas dos rios mais ácidas pela redução do nível de oxigênio.
A tese “Descoberta de SNP, construção de mapa genético de alta densidade e identificação de genes associados com adaptação climática e ausência da espinha intermuscular em tambaqui (Colossoma macropomum)” foi defendida no ano de 2017, sob a orientação do professor Luiz Lehmann Coutinho, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal e Pastagens da Universidade de São Paulo (USP/ESALQ). Além de receberem certificado e medalha, os vencedores serão agraciados com uma bolsa de pós-doutorado. A solenidade de reconhecimento será realizada no próximo dia 13 de dezembro. Confira a lista de vencedores.
Graduado em Zootecnia e em Biotecnologia pela Ufam, o então especialista em Biotecnologia ingressou como docente em 2009. “Entrei no INC somente com a graduação, concluindo a pós a distância ainda enquanto lecionava. Depois do estágio probatório, obtive licença para sair e cursar a pós-graduação. Fiz a seleção da USP e comecei o mestrado em 2013. Lá, eu percebi a possibilidade de prosseguir com o tema no doutorado”, conta o professor José Ribamar.
E o doutorado veio antes do esperado. Durante os dois anos do mestrado, em caso de excelência acadêmica – com o conceito ‘A’ em todas as disciplinas – haveria a possibilidade de uma mudança de nível. Cumulativamente, seria necessário ainda ser aprovado no exame de proficiência com aproveitamento de pelo menos 80% e apresentar uma dissertação com todas as condições de ser continuada como tese. Apenas um ano e dois meses depois de iniciar o mestrado, o professor José Ribamar submeteu a proposta ao Programa e foi aprovado como doutorando, embora com a exigência de cumprir as disciplinas remanescentes do Mestrado.
“Em 2015, eu viajei para os Estados Unidos, durante um ano, como bolsista da Capes. Antes disso, a minha pesquisa era financiada pela Fapeam [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas]”, lembra o docente, que sequer chegou a obter o título de mestre. A tese foi concluída em 2016, tendo sido defendida e depositada no ano seguinte. Enquanto ainda cursava o doutorado, ele publicou um artigo científico numa revista Qualis A1, periódico do grupo Nature. “Essa é a mesma revista que publicou a pesquisa sobre a relação entre o Zika Vírus e a Microcefalia”, compara o docente, ao mencionar a relevância cientifica do texto.
‘Made in Brazil’
De volta ao tambaqui, a escolha da espécie partiu do pressuposto de ainda haver poucos estudos sobre o peixe, sendo esta, inclusive, a primeira descoberta de mutações da espécie em larga escala. “Na verdade, quando eu ingressei no mestrado, o meu orientador queria trabalhar com uma técnica nova de descoberta de mutações, que são alterações no genoma de animais. Mas, naquele ponto, ainda não sabíamos com o quê exatamente iríamos trabalhar. Outra certeza que eu tinha era a de estudar alguma espécie de importância regional”, afirma o autor da melhor tese avaliada pela Capes.
Segundo ele, o tambaqui é a espécie nativa mais importante na cultura brasileira, não só do Amazonas. “A tilápia também é bastante consumida, mas foi uma espécie introduzida que acaba causando problemas ambientais”, acrescenta o docente do INC, cuja proposta foi trabalhar uma espécie nativa relevante economicamente. A princípio, nós não tínhamos material para extrair DNA do tambaqui e a parceria com o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia] foi essencial naquele momento.
“Partimos quase do zero e avançamos rapidamente, tendo resultados como o mapa genético e as associações econômicas e ecológicas. Significa dizer que poderá ser produzido um peixe já sem espinha, por exemplo. Além disso, num cenário de mudança global, poderíamos continuar produzindo tambaqui com qualidade, antecipando geneticamente essas transformações e selecionando indivíduos adaptáveis”, justifica o professor Ribamar Nunes.
No estudo, foram analisadas populações presentes no Amazonas, além de outras introduzidas no Nordeste e no Sudeste do País na década de 1960. Inicialmente, foram identificadas mais de 200 mil mutações que poderiam ser utilizadas. Após a filtragem inicial, restaram ainda dezenas de mutações confiáveis para subsidiar o estudo.
Em seguida, foi desenvolvida uma base, ou seja, um mapa genético responsável por identificar onde estão essas mutações especificamente considerando cada parte do genoma. Aí então foi iniciado o levantamento das mutações que estariam ocasionando a perda de espinha do tambaqui e também aquelas que o ajudariam a se adaptar às mudanças climáticas.
Peixe sem espinha
A proposta inicial foi estabelecer a relação entre mutações genéticas no tambaqui. O grupo foi se fortalecendo com o tempo e surgiu a primeira questão-problema, como explica o pesquisador: “Inicialmente, o professor Alexandre Rios, da Universidade de Mogi das Cruzes, foi comunicado sobre a descoberta, por um produtor rural, de uma população de tambaquis que não produzia a espinha do miocepto ou intermuscular. E o que é isso? É uma espinha em forma de ‘Y’ que é cortada quando o peixe é ticado, no intuito de facilitar o consumo”.
Além de ser um problema de ordem econômica, pelo fato de que muito se dispensa do pescado ao retirar essa parte do tambaqui, essa espinha é a principal responsável pelo engasgamento. “Um estudo feito nos Estados Unidos mostra que, dentre as causas do engasgamento, a espinha de peixe assume o topo da lista. Interessante que a mutação [dos peixes que já nasceram sem a espinha] ocorreu naturalmente, sem qualquer introdução transgênica, tendo apenas sido descoberta”, explica o professor da Ufam.
"Quanto aos peixes sem espinha, nós descobrimos 13 genes que estão relacionados, por exemplo, à produção e modificação óssea. Esses resultados foram apresentados num congresso na Austrália, despertando bastante interesse da comunidade científica. O resultado foi uma parceria proposta por uma universidade chinesa. Com isso, tivemos a possibilidade de fazer estudos mais detalhados da genética, através de um “desligamento” de cada um dos genes no animal, como se fosse um interruptor. Estamos ainda trabalhando nisso", revela o docente.
Resistência ao clima hostil
Em relação às mudanças climáticas, a grande contribuição partiu da professora Vera Val, do Inpa. “Nosso objetivo foi também estudar quais tipos de mutações poderiam ajudar na adaptação do tambaqui às mudanças climáticas. O aumento da temperatura reduz a oxigenação na água, e acidifica a água”, explica o autor da tese. Assim, neste ponto, as mutações que se pretendia identificar ajudariam a compreender como o tambaqui responderia ao possível aumento da temperatura: como continuar produzindo a espécie, mesmo nesse cenário de transformação ecológica que altera o seu ambiente?
Foram estudadas as diferenças entre variáveis atmosféricas, como temperatura, pressão atmosférica, luminosidade, nebulosidade. Um dos genes identificados, por exemplo, está relacionado à resposta do peixe ao frio e ao calor.
“Assim, quanto à adaptabilidade ao ambiente mais ácido, encontramos várias mutações que estão em genes de grande importância econômica, ecológica e biológica para o tambaqui. Um deles regula a resposta da espécie numa baixa condição de oxigenação da água”, destaca o professor, ao relacionar as principais descobertas capazes de influir no melhoramento ou na seleção genética do tambaqui para uma resposta adequada às oscilações do clima global.