Diálogo inter-religioso para superação da intolerância é tema de evento na Ufam

Mesa de abertura teve a presença de gestores da Ufam e de parceirosMesa de abertura teve a presença de gestores da Ufam e de parceiros

Confissões religiosas, tolerância, diversidade cultural e o papel da Universidade Federal do Amazonas ao promover um debate sobre todas essas questões com enfoque na formação da religiosidade regional. Esse foi escopo do evento intitulado ‘Diálogos com o Sagrado no Amazonas: mediação no processo de superação da intolerância religiosa’, ocorrido na quinta-feira, 14, no auditório Rio Amazonas da Faculdade de Estudos Sociais da Ufam.

O evento foi promovido pelos Programas de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia e em Sociologia (PPGSCA e PPGS) em parceria com dois grupos de pesquisa sobre religião da Universidade. O primeiro deles é o Grupo de Pesquisa em Religião, Cultura e Imaginário (OIKOUMENE), coordenado pela professora Marilina Conceição, e o segundo é o Núcleo de Estudos ‘Afro Indígenas’ (NEAINC), sob a coordenação da professora Renilda Costa, e cujas atividades são desenvolvidas no Instituto de Natureza e Cultura de Benjamin Constant.

Compreender como se dá esse diálogo com o sagrado para, a partir daí, mediar o processo de superação da intolerância religiosa, uma das causas centrais de conflito étnico-religiosos ao longo da História da humanidade, é o foco do encontro. Ao abrir as atividades, o vice-reitor, professor Hedinaldo Lima, discorreu sobre o papel da Universidade nesse contexto. “Religião é parte importante da atividade humana. A instituição não pode se fechar para esse tema. É necessário contribuir com a geração dos conhecimentos, por exemplo, de como as religiões interferem nas relações sociais e no comportamento das sociedades, possibilitando e contribuindo para esse diálogo entre as religiões”, pontuou.

Público da Ufam e de outras instituições prestigiou a conferênciaPúblico da Ufam e de outras instituições prestigiou a conferência

 

Participaram da solenidade de abertura, ainda, o pró-reitor de Extensão, professor Luiz Frederico; o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, professor Gilson Monteiro; o diretor do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), professor Nelcioney Araújo; a coordenadora do PPSCA, professora Marilene Corrêa; a coordenadora do PPGS, professora Marilina Conceição; o coordenador do curso de Ciências da Religião da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), professor Vitor da Silva; o coordenador de Ensino Religioso da Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc), Francisco Sales; e a diretora acadêmica da Faculdade Boas Novas (FBN), Maria José Costa. Todos eles deram suas contribuições sobre o tema em debate.

Proposta – uma das idealizadoras da atividade, a professora Renilda Costa explica a relevância de se abrir esse espaço para que, na academia, sejam abordadas questões de natureza religiosa. “Estamos fomentando a promoção do diálogo inter-religioso com o intuito de superação da intolerância, partindo de um ponto de vista global, já que todas as guerras passadas tiveram - ao lado do econômico ou político - um viés étnico-racial e religioso; mas também para apresentar a diversidade religiosa no Amazonas”, disse a professora.

A escolha das confissões religiosas que participam do evento no turno da tarde já revela a diversidade desse aspecto na formação do povo brasileiro e amazônico. “Os mulçumanos estão num momento de fragilidade, já que são confundidos com o Estado Islâmico; a tradição Pentecostal, com origem na Reforma Luterana, gerou uma série de outras confissões religiosas; já o Catolicismo, as religiões ‘Afro’ também são parte da nossa cultura, sendo a primeira na figura do colonizador e a segunda provinda do candomblé trazido da África”, explicou Renilda.  O Cardecismo – informou ela – chegou ao país no início do século XX.

Na Amazônia, em especial, é possível associar a religiosidade dos povos tradicionais à sua ligação com os elementos da natureza, a princípio. Elementos outros foram adicionados, como a presença dos Jesuítas, nas missões colonizadoras; e a presença negra oriunda principalmente no nordeste, sobretudo no período de extrativismo da borracha, já no século XX. Esses elementos fazem de Manaus, e do Amazonas, uma efervescência de fenômenos religiosos.Dr. José Follmann pesquisa sobre diálogo inter-religioso há mais de 3 décadasDr. José Follmann pesquisa sobre diálogo inter-religioso há mais de 3 décadas

Em sua avaliação sobre o tema, o representante da Seduc, Francisco Sales, trouxe dados estatísticos para a discussão. “O Brasil é considerado, no âmbito da ONU, como o 4º país onde mais existem práticas violentas por motivação religiosa; e essa realidade se oculta atrás de uma falsa ideia de tolerância e aceitação do diferente”, enfatizou. Um aspecto que fomenta essa intolerância religiosa é o desconhecimento sobre a diversidade religiosa que possuímos. “Apenas no Amazonas, há 78 etnias e 48 tradições religiosas. Grande parte delas nós desconhecemos, inclusive algumas pessoas que pesquisam esses fenômenos”, afirmou.

Conferência – o responsável por proferir a conferência de abertura foi o professor José Follmann, religioso católico, vice-reitor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e estudioso do diálogo inter-religioso há pelo menos três décadas. “O objetivo da apresentação é dar um panorama dos esforços, em nível mundial, sobre o diálogo entre as religiões, pois essa esfera da diversidade religiosa ainda é pouco conhecida”, informou o pesquisador.

“Estamos vivendo um momento em que, no Brasil, há sinalizações muito fortes de polaridade. Se, por um lado, existe a afirmação do pluralismo cultural; por outro, são percebidos fanatismos e fundamentalismo com base na não aceitação do outro”, esclareceu Follmann, voltando-se especialmente à importância de se superar a intolerância, que, segundo ele, é nada mais que “o julgamento do outro de fundamento”. Desde 2002, a Unisinos abriga o Grupo Inter-Religioso de Diálogo (GDIREC), que surgiu a partir de questionamentos de pesquisa.

A respeito da laicidade do Estado brasileiro e alguns fenômenos de apropriação do discurso religioso na seara política, por exemplo, o professor explicou: “O Estado laico surgiu com a Constituição da República, em 1891, e ele passou a ser o guardião da diversidade religiosa que a todos favorece de forma igual. Nas décadas de 30, 40 e 50, havia a Liga Eleitoral Católica atuando na política, que em muito se assemelha à Frente Parlamentar Evangélica que temos hoje no Congresso Nacional. Mudou a marca, mas os princípios são os mesmos. E isso seria salutar se não extrapolasse para uma tentativa de atropelamento da religião à política”, disse.

Professor de Ensino Religioso Gláucio da Gama complementa formaçãoProfessor de Ensino Religioso Gláucio da Gama complementa formação

O diálogo efetivo, segundo ele, passa urgentemente por um trabalho de educação religiosa no campo do Ensino, que é uma exigência legal seguida pelo Ministério da Educação (MEC). Desde a educação básica até a universidade, é salutar que as posições religiosas sejam explicitadas. “Eu estudei na universidade há 40 anos, e religião era quase um tabu. Nem mesmo na disciplina Sociologia das Religiões se falava abertamente sobre o tema”, lembrou. Hoje, as redes sociais são vistas pelo pesquisador como um lugar onde se explicitam visões antes ocultadas. “Assumir a religião é positivo e as redes sociais possibilitam isso”, avaliou Follmann.

Gláucio da Gama é um dos 45 professores de Ensino Religioso da rede básica de educação com formação superior para a cadeira. Hoje ele também é um dos 25 participantes do Programa de Formação de Professores (Parfor) em Ciências da Religião pela UEA. “A religião é capaz de, assim como a Filosofia, debater tema como a morte, por exemplo, e formular respostas a respeito disso”, exemplificou. O docente reflete acerca da relevante contribuição de eventos nas universidades sobre essa temática. “É muito proveitoso trazer essa discussão para a Ufam e fomentar a discussão sobre o fenômeno religioso, tendo em vista que o ser humano é religioso por natureza”, destacou. O coordenador do Parfor da UEA, professor Vitor da Silva, destacou a importância da formação de licenciados em Educação Religiosa.

BCMath lib not installed. RSA encryption unavailable