Estudantes Indígenas publicam cadernos de pesquisa em línguas do Alto Rio Negro

Estudantes indígenas da Ufam lançaram na manhã desta sexta-feira, 24, cadernos de pesquisa nas línguas maternas do Alto Rio Negro, a região mais plurilíngue do continente americano. O material é inédito no Brasil e foi produzido por 74 universitários de diversas etnias como trabalho de conclusão do curso de Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Reunindo pesquisas dos alunos das três primeiras turmas que concluíram o curso em 2013, os trabalhos registram o conhecimento dos povos indígenas da região e foram publicados nas línguas Tukano, Baniwa e Nhengatu. De acordo com a coordenadora do curso de Licenciatura Indígena, professora Ivani Farias, o material produzido pelos formandos de 2013 representa uma conquista não só acadêmica, por se tratar de um feito raro no país, mas também de todos os povos indígenas. “Esse trabalho é resultado de um sonho dos povos indígenas, principalmente dos alunos das três turmas. No Brasil, tudo o que existe sobre questão indígena é publicado em Língua Portuguesa, mesmo quando produzido por indígenas. Um material desse, com esse rigor científico, é a primeira vez que é produzido no país”, expõe a professora.

Professora Ivani Farias, coordenadora do curso do Alto Rio NegroProfessora Ivani Farias, coordenadora do curso do Alto Rio Negro

Ainda segundo Ivani Farias, o material produzido pelos estudantes visa estimular o uso da língua indígena e será utilizado como fonte bibliográfica a fim de socializar os conhecimentos neles registrados. “O nosso objetivo é fortalecer as línguas indígenas e conter a diglossia do Português em relação a elas. Esse material já é uma referência científica escrita por eles, eles são os pesquisadores, nas línguas deles; diferente de nós, pesquisadores não indígenas, publicarmos sobre eles. Isso vem garantir os reais direitos dos povos indígenas”, afirma a coordenadora.

Professor Gilvam Müller diz que formação indígena da Ufam é diferenciada.Professor Gilvam Müller diz que formação indígena da Ufam é diferenciada.

Membro da equipe de profissionais do curso do Alto Rio Negro, professor Gilvam Müller de Oliveira, docente da UFSC e diretor executivo do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), proferiu a palestra inicial na cerimônia de lançamento, na qual destacou a relevância do trabalho realizado pelos estudantes e professores do curso da Ufam. O professor enfatizou o modelo de curso adotado para a região do Alto Rio Negro, cuja metodologia é estruturada na pesquisa e participação dos povos indígenas na elaboração do currículo a ser estudado. “Quando o aluno sai da graduação, ele tem no seu currículo publicações científicas, ele é um desenvolvedor da sua língua e cultura, ele desenvolve a sua comunidade do ponto de vista da abertura do diálogo de conhecimentos entre indígenas e não indígenas; de maneira que o impacto do curso sobre a região é de ordem totalmente diferente das que seguem o modelo tradicional”, declarou o pesquisador.

Mônica Apolinareo redescobriu sua cultura através da pequisa científicaMônica Apolinareo redescobriu sua cultura através da pequisa científica

Mônica Apolinareo é um dos autores dos cadernos lançados hoje. Na pesquisa que desenvolveu, a acadêmica abordou o uso dos medicamentos tradicionais indígenas, isto porque, segundo ela, os índios estão perdendo o costume de recorrer à natureza no tratamento de doenças. “Nós vimos que nossos sábios estão morrendo e por isso decidimos fazer a pesquisa para  escrever o conhecimento dos nossos antepassados num livro para as novas gerações,porque nós, atualmente, preferimos usar o remédio feito pelos brancos”, revelou Mônica.

Com o trabalho, Mônica e seus colegas puderam resgatar informações importantes sobre a medicina dos povos tradicionais da Amazônia. “Descobrimos vários tipos de remédios, inclusive, meu pai me ensinou um antibiótico que cura feridas estomacais e muitos outros. E isso está escrito no livro”, comenta a pesquisadora.

“É muito emocionante para mim porque aprendi muitos dos conhecimentos que eram dos meus avós. Aquilo que eu não sabia, como por exemplo, preparar os remédios e como medicar, eu precisei estudar para aprender o conhecimento dos sábios. Mas agora as novas gerações já terão isso disponível nas nossas escolas lá na aldeia”, comemora.

Segundo a professora Heloísa Helena Correa da Silva, do Departamento de Serviço Social, outras experiências de publicações científicas foram feitas por estudantes indígenas da Ufam. De acordo com a professora, dissertações como as de Tadeu Coimbra e de Orlando Melgueiro, ambos da etnia Baré, também foram publicados em Língua Tukano.

 

 

BCMath lib not installed. RSA encryption unavailable