Pesquisadores e profissionais falam sobre oportunidades e desafios nas relações econômico-financeiras entre chineses e latino-americanos
“Um dos passos mais importantes, um dos nossos objetivos institucionais, é a internacionalização da Ufam”, afirma o reitor da Universidade durante apresentação no Fórum ao mencionar os quase 50 acordos internacionais mantidos pela instituição
Em seu primeiro dia de atividades no Studio 5 Centro de Convenções, o VII Fórum Acadêmico de Alto Nível China-América Latina apresentou temas essenciais para a concretização de relações fortes e duradouras entre a China e os países da América Latina. Na mesa intitulada ‘Economia, Finanças e Comércio Internacional’, seis convidados expuseram o tema sob diversos pontos de vista. Dentre eles o reitor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), professor Sylvio Puga, que apresentou as estratégias de internacionalização já iniciadas.
“Acreditamos que a formação de profissionais de alto nível, que possam dialogar e fazer trabalhos em parceria com a China, por exemplo, é o nosso papel como Universidade. Um dos passos mais importantes, um dos nossos objetivos institucionais, é a internacionalização da Ufam através do que nós tradicionalmente temos de melhor, que é o ensino, a pesquisa, a extensão e a inovação tecnológica”, explanou o professor Sylvio Puga.
Para ilustrar os caminhos que já estão sendo construídos pela Instituição, o reitor citou a seleção inédita no Brasil de pós-graduação em ‘Gestão Industrial com ênfase na Indústria 4.0’, com oferta de vagas para mestrado e doutorado e abertura para a toda a sociedade concorrer. A iniciativa é fruto da reunião de esforços entre a Ufam, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade do Porto, em Portugal.
A expansão das relações interinstitucionais se reflete ainda no crescente número de acordos nacionais e internacionais, dentre os quais o reitor destacou a Cooperação Estudantil firmada ontem, 19 de setembro, com a Universidade chinesa de Hubei, o primeiro a ser firmado com uma instituição parceira do continente asiático. Ao todo, estão em vigência 35 acordos nacionais e quase 50 com entidades estrangeiras, o que possibilita intercâmbio de estudantes e de servidores, além da formação de parcerias em diversas áreas de pesquisa.
Nova Globalização
Sem dúvida, o cenário mundial tem se redesenhado para abrigar uma China cada vez mais forte e competitiva, tanto na produção industrial e no mercado financeiro quanto da formulação de soluções teórico-práticas – através de modelos inovadores e capazes de beneficiar o gigante asiático e seus parceiros da América Latina. Nessa perspectiva é que se desenvolveram as falas dos demais expositores da mesa, sob a coordenação do docente do Departamento de Economia e Análise da Ufam, professor Leonardo Coviello Regazzini.
Atuando na Divisão de Política Financeira do Ministério de Relações Exteriores (MRE), Lucas de Brito Lima discorreu sobre a posição da China na economia global, com destaque para a ascensão experimentada no mundo pós-crise nos EUA. Segundo ele, uma das metas daquele país é a internacionalização da moeda chinesa. “O poder de compra do Renminbi já é o maior do mundo desde 2014. Isso contribui com a geração de renda ao redor do planeta. Em termos comerciais, o crescimento chinês é baseado no comércio exterior”, destacou ele.
Apesar de o RMB funcionar bem como meio de troca nas relações comerciais internacionais, nesse ponto, o dólar americano e o euro ainda são as principais moedas. “No momento, há uma busca pelo protagonismo da moeda chinesa. A China já mantinha linhas de Swap cambial com 32 países até junho de 2017”, avaliou Lucas de Brito, ao elencar os atributos de uma moeda global: “funciona como meio de troca, como reserva de valor e como unidade de conta”.
Público conheceu diferentes pontos de vista sobre as potencialidades e os obstáculos das relações comerciais entre a China e a América-Latina“Pelo menos desde 2009, a China é o principal destino das nossas exportações e o Brasil é o maior importador da China. A base das nossas importações é bastante diversificada, ao contrário das exportações para o mercado chinês, com produtos como a soja”, apontou. Dentre os países latino-americanos, Brasil e Argentina já mantêm relações com o Banco Asiático, enquanto Bolívia, Chile, Argentina, Equador, Peru e Venezuela estão entre os potenciais parceiros. Dos 23 projetos aprovados pelo Novo Banco de Desenvolvimento chinês, 10,8% dos quase seis bilhões de dólares tiveram o Brasil como destino.
Potencialidades de investimento
Atualmente, os chineses mantêm fortes relações comerciais nas Ilhas Cayman e nas Ilhas Virgens, em busca de baixa tributação no mercado financeiro, de acordo com o representante do Instituto da América Latina da Universidade chinesa de Hubei, Yan Yi.
Hoje, a cooperação financeira internacional permitiu o fechamento de acordos de livre comercio com o Chile, o Peru e a Costa Rica. “O Uruguai propôs cooperação na zona de livre comércio em 2016. Em termos de cooperação financeira, é importante para todas as partes”, afirmou o representante da instituição de ensino chinesa, segundo quem o investimento direto na América aumentou de 56,3% em 2013 para 69,4% em 2016.
Dentre as áreas de destaque para investimento do país asiático na América Latina estão a tecnologia de informação, as finanças, a mineração, dentre outras indústrias. Para elaborar planos de investimento nesses setores, o expositor avaliou a necessidade de se eliminar as restrições do setor financeiro chinês, utilizando-o como uma estratégia de oferta de crédito com controle de riscos. “A cooperação financeira envolve vários países, várias moedas e vários conjuntos de regulamentos. A cooperação multilateral é um importante vetor”, disse Yan Yi.
Para o professor de Relações Internacionais e Economia Giorgio Romano, da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, a dinâmica dos BRICS [sigla referente ao bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] pode ser entendida na perspectiva do “um mais quatro”. “Com certeza a China se descolou do Sul, e não pode ser considerada como um país periférico”, constatou o estudioso internacionalista, ao elencar que se trata, hoje, de uma potência econômica, militar e industrial.
“Nosso conhecimento sobre a China é fundamental para fortalecer as parcerias entre os dois países. O estudo e o diálogo com a China é essencial para atuar no mundo de hoje”, frisou o professor Giorgio Romano. Ele apontou ainda algumas das dificuldades que entravam as estratégias de desenvolvimento do Brasil. “A relação com a China pode levar a um superávit primário brasileiro em relação a três produtos. Soja, petróleo e minério de ferro representam mais de 80% da exportação do nosso país para a China”.
Por fim, o professor explicou que a força relativa da economia chinesa não somente está baseada em sua capacidade de economia exportadora. Nas palavras dele, “uma China mais autônoma e mais assertiva foi capaz de reorganizar as cadeias de valor no contexto de uma nova visão geoeconômica e geopolítica”, de modo que o modelo de capitalismo neoliberal perde cada vez mais espaço para a competição interestatal, num movimento de superação do atual modelo econômico global de hegemonia norte-americana.
Perspectiva acadêmica
O professor Júlio César Aguirre Montoya, da Universidade do Pacífico do Peru, discorreu sobre aspectos que ele considera como as principais dificuldades para uma efetiva cooperação entre a China e o Peru. “Podemos citar as barreiras burocráticas, a demora na entrega de térreos e outros fatores na área da infraestrutura. Os investimentos na área de transportes, a exemplo da concessão para expandir um aeroporto, são parte do que tem sido feito em parceria”, ressaltou o pesquisador peruano.
Ainda da perspectiva acadêmica, o docente da Faculdade de Economia de Valparaíso, no Chile, professor Andres Borquez explanou sobre as políticas de facilitação do comércio a partir da cooperação em infraestrutura no contexto da iniciativa ‘La Franja y la Rota’ (Cinturão e Rota). Dentre os percalços apontados por ele estão as deficiências em infraestrutura e logística, a baixa participação nas cadeias de valor global e a lenta incorporação de procedimentos.
Os pilares do sistema ‘La Franja y la Rota’ são o comércio sem travas, a governança global justa e inclusiva e a otimização do reconhecimento mútuo de regramentos. “Tudo isso é no sentido de facilitar o comércio internacional”, disse. Entre as recomendações do professor Borquez é a articulação dos países para que compartilhem seus casos de êxito no processo de transferência tecnológica. Além disso, o uso de TI torna os trâmites comerciais mais rápidos e seguros.
Por fim, o pesquisador chileno sustentou que o diálogo sobre políticas comerciais no âmbito do Fórum China-CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] é um dos fatores aptos a melhorar os indicadores ainda com baixo desempenho.